Nascido em Hünsborn, na Alemanha, pouco antes do início da 2ª Guerra Mundial, padre Geraldo Schneider conta que desde menino sentia grande atração pela vida religiosa, mais precisamente ansiava por cuidar dos doentes. Em 1956 entrou para a Congregação dos Irmãos da Misericórdia e alguns anos depois, foi enviado para o Brasil, pois era muito comum enviar missionários para outros países.

Chegando a Maringá foi recebido por Dom Jaime Luiz Coelho, primeiro arcebispo, e logo manifestou o desejo de ser padre. Monsenhor Geraldo conta que Dom Jaime respondeu: “Se seu desejo é ser padre vá para Curitiba/PR e dê continuidade aos estudos”. E, assim, em Curitiba permaneceu por 07 anos no Seminário Rainha dos Apóstolos, onde concluiu os estudos.

Pelas mãos de Dom Jaime recebeu a Ordenação Presbiteral em 30 de março de 1.969 na Catedral Basílica Nossa Senhora da Glória. A primeira missão, ainda bem viva em sua memória, foi cuidar da comunidade Cristo Ressuscitado, Zona 05. “Não havia praticamente nada naquele local, mas Dom Jaime disse vá trabalhar com aquele povo, e, fui com muita alegria e fiz um caminho feliz. Permaneci naquela paróquia por 33 anos”, recorda-se padre Geraldo.

Aos 80 anos, ainda inquieto e entusiasmado, o sacerdote atende confissões e aconselhamentos diariamente na Catedral de Maringá, inclusive a noite.  Nestes 47 anos percorridos na Arquidiocese de Maringá acumulou um vasto ‘currículum’ que vai desde time de futebol para jovens, passa pela construção de casas que acolhem moradores de ruas, pessoas com dependência química, crianças e adolescentes em situação de risco, aulas na Universidade Estadual de Maringá e vários colégios, até a aquisição de um canal de TV para a Arquidiocese – destaque também para aparições em revista de circulação nacional (Veja) que veio entrevistar o padre que celebrava de forma alegre e entusiasmada e que adquiriu o primeiro canal de TV para uma Arquidiocese.

Monsenhor Geraldo Shneider conversou com a equipe da Revista Missão e em meio a muitas risadas, recordações, saudades e uma alegria contagiante falou sobre alguns projetos que desenvolveu, assim como trabalhos pastorais e também sobre os 60 anos de instalação da Arquidiocese de Maringá:

Revista Maringá Missão – Desenvolvimento da cidade: Maringá não tinha um metro de asfalto sequer. A primeira lembrança que me vem à memória é de muita poeira nos dias quentes, e muita lama quando chovia.  Precisávamos nos proteger para não ficar todo sujo.  A diocese muito nova e na cidade tudo estava para começar – Havia favelas, pois chegavam famílias de todos os estados do Brasil, faltava moradia e a pobreza era bem acentuada. Éramos poucos padres e acredito que o desenvolvimento da Igreja ajudou no desenvolvimento da cidade que foi se estruturando e crescendo rápido, assim como os trabalhos pastorais.

RMM – Futebol para meninos: Sempre fui apaixonado pelo futebol ainda hoje cultivo essa paixão. Quando os times jogam seja do Brasil, ou da Europa fico assistindo e torcendo. [Santista de coração]. Ao ser ordenado e enviado à comunidade Cristo Ressuscitado vi ali a oportunidade de criar um time de futebol, pois havia muitos garotos na região que ficavam nas ruas. Já naquela época as drogas marcavam presença e o projeto além de tirar os meninos das ruas ajudava na disciplina e a não deixar eles fazerem ‘coisas erradas’. Todos os dias, às 06 da manhã, com minhas ‘pernas boas’, pois hoje tenho dificuldades, reunia-me com os garotos e íamos jogar nossas ‘peladas’, onde hoje é a Praça Pio XII.

RMM – A situação de pobreza: Sempre me dediquei aos pobres.  Acredito que o meu carisma é cuidar daqueles que mais precisam. Naquela época havia muita gente nas ruas, famílias que vinham de outros Estados para trabalhar em Maringá e não tinham onde ficar. Mas que depressa comecei a trabalhar para atender a necessidade desse povo. Fazia campanha de recolhimento de alimentos nos prédios e arrecadação de marmitas, e chegava a entregar 500 por dia. Depois começamos a construir casas que pudessem atender, dar assistência por meio da promoção humana. Criamos uma casa no Antigo Mosteiro e no Distrito de Iguatemi que ajudava principalmente as pessoas idosas, como uma extensão do albergue de Maringá. Essa casa ainda existe, foi reformada e atende dependentes químicos que em recuperação.  Em meio a toda a situação o que mais me chamava atenção é o coração do povo brasileiro de partilha, acolhedor, generoso, características que tenho certeza, não vão mudar.

RMM – 20 anos dedicados à visita e atendimento aos presos: Considero esse um dom, pois ali eu realizava todo o meu sacerdócio, estava por completo. Visitávamos, eu e Dom Jaime, a cadeia de Maringá e mais tarde Penitenciária Estadual (PEM) – Era um serviço de muito amor, acolhimento, aconselhamento espiritual e ressocialização, visto que quando saem dos presídios é quase impossível voltar ao convívio social. Nós celebrávamos missas, o contato era direto com eles. Nunca tive medo, Deus me dava uma coragem fora de série, contudo um dia enquanto celebrava a Polícia me retirou do local, pois descobriu que havia plano de me sequestrarem – faz parte das minhas aventuras espirituais. Já no ano de 2000 foi construída uma casa onde os ex-detentos eram recebidos e podiam trabalhar para garantir o sustento. O projeto Plantando Vidas, que ficou desativado por algum tempo, mas está voltando a funcionar. Até hoje guardo algumas cartas que eles me escreviam, muitos deles se recuperaram mediante o trabalho que nós realizamos na cadeia.

RMM – Mosteiro e Escada Santa: Era um sonho que eu tinha de fazer um mosteiro aqui na Arquidiocese de Maringá por que visitei muitos na Europa e o da Ressurreição em Ponta Grossa/PR, todos me encantavam, embora não tenho vocação para ser monge, pois sou elétrico e extrovertido. Com a autorização de Dom Jaime trouxemos uma comunidade de monges para Maringá – construímos a casa que pertence à Arquidiocese, conhecida como Antigo Mosteiro. Achava muito interessante um local de espiritualidade para orações e retiros. Ao lado do Mosteiro criei uma réplica da Escada Santa – A original está em Roma. Trata-se da escada que Jesus subiu quando foi condenado à morte. Havia 28 degraus. Nos domingos, com muita devoção as pessoas vinham de toda a região para fazer o ato penitencial subindo de joelhos a Escada. Com cantos e orações a multidão fazia o trajeto e lucrava indulgência decretada por Dom Jaime.

RMM – Museu das imagens sacras: Também criado na Chácara do Antigo Mosteiro, após a peregrinação da Escada Santa os fiéis visitavam o museu de imagens sacras – eram tantas pessoas que precisava usar um mega-fone para falar. Uma experiência fantástica de fé e devoção. Criei esse museu por acreditar que a Igreja precisa evangelizar por meio dos sinais espirituais que tanto alimenta e identifica nossa fé. Tenho saudades desse tempo, mas fico feliz em ter um Papa que está trabalhando com esses sinais, pois recentemente vi a encenação do Evangelho em uma celebração na Praça de São Pedro – uma Igreja que fala pelos sinais.

RMM – Areópago: O areópago significa um púlpito, ou seja, é o púlpito onde Paulo começou as suas pregações conforme a gente pode conferir no Livro dos Atos. Foi numa dessas pregações que se converteram mais de 3mil almas.  Todas as idealizações que ainda possa criar batizarei com esse nome. Para fazer o trabalho de pregação consegui um ônibus junto à Receita Federal e entreguei para um grupo de jovens da catedral o Raio de Luz. Todas as semanas o ônibus ficava em alguma escola a noite e durante o intervalo era feita a pregação por cerca de meia hora. Ainda hoje esse grupo usa o ônibus para ir evangelizar viajando, às vezes, para longe.

RMM – Comunicação – Um canal de Televisão pelas mãos de Maria – evangelizar sobre os telhados – A primeira Arquidiocese a adquirir um canal: Sempre dizia a Dom Jaime nós trabalhamos e usamos a TV Cultura, mas ela não é nossa, uma hora teremos que deixá-la. Insistia com ele, estudei a viabilidade e descobri que poderia ser uma Fundação. Quando estive em Lourdes na França fui até a gruta de Nossa Senhora de Lourdes e fiz um pedido aos pés de Nossa Senhora: “Mãe, me arrume com seu Filho um canal de TV para a Arquidiocese de Maringá que evangelize 24 horas por dia”. O que Nossa Senhora falou para o seu Filho não sei, mas consegui verbas com minha irmã que morava na Alemanha e adquirimos o tão sonhado canal de TV. No evangelho Jesus nos diz para pregar o Evangelho sobre os telhados. Acredito que a televisão tem essa força porque os templos são fixos de concreto ou de tijolo, mas a televisão é uma igreja eletrônica que consegue evangelizar 24 horas por dia, o que para nós é impossível. [TV Terceiro Milênio Canal 31 UHF]

RMM – Dom Jaime um modelo de comunicador: Antes de me tornar padre eu já trabalhava com Dom Jaime. Ele era uma figura admirável. Éramos bem companheiros, sempre juntos pelas capelas, paróquias. Para mim era um modelo, uma inspiração, homem forte seja na palavra, no caráter ou espiritualidade. Gostaria que um dia fosse reconhecido como modelo de comunicador porque desde que cheguei em Maringá o vi dentro dos meios de comunicação, falando, pregando, escrevendo – quando aprendi a língua portuguesa me mandava substituí-lo quando não conseguia ir em algum compromisso. Assim aprendi a amar a comunicação e trabalhei na TV Cultura por 20 anos. Hoje ainda rezo missas na TV e tenho 15 minutos diários de programa. Com todo entusiasmos que Dom Jaime tinha em comunicar, digo que era um homem da comunicação.

RMM – Confissões e aconselhamentos fazem de mim um ‘Jardineiro das almas’: São 14 anos que atendendo confissão e aconselhamentos na Catedral. Amo fazer isso, essa ação também me realiza todo o meu sacerdócio. Pensava em dedicar minha velhice a atendimentos espirituais e fui a Roma me preparar por meio de um curso de espiritualidade. Atendo diariamente e as vezes a noite. Muitos jovens procuram atendimento. Percebo uma grande sede de Deus neles. Costumo dizer que sou um ‘jardineiro das Almas’ por que um jardineiro tem a função de cultivar a plantinha, a flor e eu procuro cultivar as flores das almas que são as nossas virtudes espirituais. Gasto tempo o que for necessário, gosto de fazer isso, é um trabalho onde eu tenho a oportunidade de formar Deus na alma das pessoas.

RMM – Arquidiocese de Maringá: Nós temos uma Arquidiocese bem consolidada que começou com Dom Jaime e passou por outros bispos. Agora nós temos Dom Anuar Battisti que trabalha com muita fé e dedicação. Nosso clero também cresceu e creio que o Espírito Santo continua agindo nos corações dos padres para continuar evangelizando. Nós, padres mais velhos, fomos uma espécie de desbravadores junto com Dom Jaime e estamos chegando junto aos 60 anos da Arquidiocese. Essa obra que sempre andou em comunhão com a Igreja do Paraná e Brasil só pode continuar frutificando.

RMM – Mensagem: Sou muito feliz aqui.  Faço tudo com muito amor e paixão. Agradeço muito a Deus por ter chegado até aqui e com 80 anos.  Enquanto eu estiver nessa diocese me dedicarei com muito amor a plantar ‘Jardins nas Almas’, pois acho muito importante que nós cristãos servidores de Cristo plantemos flores nas Almas. Vivemos num mundo muito agressivo, sem graça, se nós começarmos, através da evangelização, a plantar flores na alma das pessoas, elas também vão começar a exalar o seus perfumes através do olhar, da boca, do comportamento.  Assim nós nem precisamos mais usar a língua ou tantas palavras para evangelizar por que o seu rosto, o seu semblante deixa a marca desse perfume de Deus. Essa é a mística da Igreja. Se o seu rosto é de Deus as pessoas vão reconhecer Deus no seu rosto.

Fabiana Ferreira/jornalista

Publicado na Revista Maringá Missão de agosto de 2016