Segundo uma antiquíssima tradição a Igreja celebra, na quinta-feira santa, a missa dos santos óleos ou missa do crisma. Nela ocorrem três momentos fortes: a unidade eclesial entorno do bispo, a renovação das promessas sacerdotais, a benção dos óleos dos catecúmenos, dos enfermos e a consagração do crisma. É uma grande solenidade porque é a ocasião de unidade, de comunhão de toda a Igreja Particular, por isso, a insistência de ser celebrada na igreja catedral, pois sendo ela “Igreja mãe” da diocese acolhe seus fiéis e seus ministros ordenados para a festa da unidade.
A antífona de entrada é um convite, além de exprimir a centralidade da celebração: “Jesus Cristo fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai”. É evidenciado o clima de festa do sacerdócio ministerial e comum dos fiéis. Jesus
é o ungido de Deus que consagrada-os, permitindo ser chamados de cristãos (cf. At 11,26). A unção do Espírito Santo
é transmitida aos membros da Igreja por meio do Batismo e da Crisma. O que permite dizer que a missa do crisma obtém
caráter de unidade, ou seja, todo o povo “ungido” de Deus está em estreita unidade, louvando e celebrando a comunhão
no sacerdócio de Cristo. Aqui ela assume seu primeiro momento forte que é a visibilidade concreta, epifânica, do Corpo de Cristo organicamente estruturado através dos vários ministérios, carismas e serviços, participando da consagração de Cristo para sermos “no mundo testemunhas da redenção que ele nos trouxe”.
Após a Liturgia da Palavra (Is 61,1-9; Sl 88; Ap 1,5-8; Lc 4,16-21) que ressalta a “unção” de Deus sobre Aquele que inaugurará os tempos messiânicos, os presbíteros renovam as promessas sacerdotais, assim expressou São João Paulo
II, em 1979: “sentimos hoje o desejo vivíssimo de nos encontrarmos junto do altar para esta concelebração eucarística e dar graças pelo dom especial, que o Senhor nos conferiu. Conscientes da grandeza desta graça, desejamos além disso renovar as promessas que fez a Cristo e à Igreja cada um de nós, no dia da própria ordenação, depondo-as nas mãos do bispo.                                        Renovando-as, pedimos a graça da fidelidade e da perseverança. Pedimos também que a graça da vocação sacerdotal caia no terreno de muitas almas juvenis e que nelas ganhe raízes como semente que dê fruto”. A renovação das promessas traz o caráter de “serviço” a Cristo e, principalmente, ao povo de Deus. Nesta perspectiva, o Papa Francisco trouxe esta belíssima reflexão no início do seu ministério de bispo de Roma: “queridos irmãos sacerdotes, não devemos esquecer que os nossos modelos evangélicos são este ‘povo’, esta multidão com estes rostos concretos, que a unção do Senhor levanta e vivifica.
São aquelas que completam e tornam real a unção do Espírito em nós, que fomos ungidos para ungir. Fomos tornados dentre eles e podemos, sem medo, identificar-nos com esta gente simples. Cada um de nós tem a sua história. Um
pouco de memória nos fará muito bem”. As promessas sacerdotais são realizadas porque relembram aos sacerdotes que “Jesus Cristo, enriqueceu a Igreja com um sacerdócio real. E, com bondade fraterna, escolhe homens que, pela imposição das mãos, participem do seu ministério sagrado. Em nome de Cristo, estes renovam para nós o sacrifício da redenção humana servindo aos fiéis o banquete da Páscoa. Presidindo o povo na caridade, eles o alimentam com vossa Palavra e os restauram com vossos sacramentos. Dando a vida por vós e pela salvação de todos, procuram assemelhar-se cada vez mais ao próprio
Cristo, testemunhando, constantes, a fidelidade e o amor para convosco”. O sacerdócio ministerial sai do meio do sacerdócio real, comum dos fiéis. Talvez seja por isso que o bispo se volta para os fiéis, após renovar as promessas dos sacerdotes, para dizer: “rezai pelos vossos presbíteros, para que o Senhor derrame profusamente os seus dons sobre eles e, como fiéis ministros de Cristo, Sumo Sacerdote, vos conduzam àquele que é a fonte da salvação.” E conclui: “Deus nos guarde a todos em sua caridade, e nos conduza, pastores e ovelhas, à vida eterna”. Mais uma vez o caráter de unidade e de comunhão se fazem sentir e notar.
Depois os óleos são apresentados e abençoados pelo bispo. Em 2010, o então Papa Bento XVI expressou que
o “azeite possui um amplo significado: serve de nutrimento, medicamento, alinhamento, adestra para a luta e dá vigor”. O Papa recorda também que nesta missa “os santos óleos estão no centro da ação litúrgica: são consagrados pelo bispo na catedral para o ano inteiro. Assim, exprimem também a unidade da Igreja, garantida pelo episcopado e aludem a Cristo, o verdadeiro ‘pastor e guarda das nossas almas’”. E continua: “ao mesmo tempo, mantêm unido todo o ano litúrgico, ancorado no mistério da Quinta-feira Santa”.
Cada óleo exprime um sentido próprio. O óleo dos catecúmenos é chamado de “criatura” de Deus e de “sinal
de fortaleza” por ser “dom da força aos catecúmenos”. Eles se prepararam para receber o batismo e serão com este óleo
ungidos na noite da Vigília Pascal, bem como as crianças no decorrer do ano quando receberem o batismo. Essa unção trará para eles “sabedoria e virtude divinas” a fim de compreenderem mais profundamente o Evangelho de Jesus; serem generosos no cumprimento dos deveres cristãos e participantes na alegre adoção filial por terem renascido e viverem na Igreja de Cristo.
A bênção do óleo dos enfermos pelo seu caráter epiclético, ou seja, por invocar o Espírito Santo sobre o óleo e pelo
seu sentido de consolar e curar os males dos enfermos interrompe a Oração Eucarística para fazer a bênção, assim, a bênção deste óleo constitui-se continuação da Oração Eucarística e torna-se prece de ação de graças, pois seu pedido de consagração é elevado a Deus juntamente com as preces do pão e do vinho. De modo interpessoal os enfermos
que serão ungidos, posteriormente, em diversas ocasiões são lembrados e inseridos nas preces de ação de graças. Na
oração, o óleo é chamado de “generoso” e “santo” porque sua função é dar alívio e proteção ao corpo, a alma e ao espírito
“libertando-os de toda dor, toda fraqueza e enfermidade”. Ao dizer que é ramo de oliveira recorda-se o simbolismo da paz
e anuncia a bondade de Deus porque Ele é a nossa paz, a paz que garante aos enfermos a proximidade com seu Senhor.
Por fim, o óleo do crisma recebe uma conotação diferente. Ele não é apenas abençoado; ele é consagrado e
confeccionado, ou seja, o bispo mistura perfumes (bálsamo) e súplica o auxílio divino soprando sobre o óleo. A dignidade deste óleo, chamado de “óleo rico” e de “óleo santificador” está presente na história da salvação através da unção de sacerdotes, de reis, de profetas e até dos mártires. Todo aquele que é ungido com este óleo obtém a integridade de
uma vida santa, revestido de um dom incorruptível e cumulado de honras de reis, sacerdotes e profetas. Nele somos
“participantes da vida eterna e herdeiros da glória celeste”. O então Papa Bento XVI, em 2010, lembrou que “na Igreja antiga, o óleo consagrado foi considerado, particularmente, como sinal da presença do Espírito Santo, que se comunica a
nós a partir de Cristo. O Espírito é o óleo da alegria”. Devemos salientar que não é qualquer alegria, mas aquela visível “no
fruto da oliveira” no óleo consagrado. O óleo que lembra a palavra grega eleos (misericórdia). Com isso, a unção do
santo crisma é sinal da unção da alegria e da misericórdia de Deus. Já cantávamos este sinal no Acolhei, ó Redentor na
seguinte estrofe: “seja festivo este dia, dele se faça memória: o óleo da santa alegria já nos promete a vitória”.