Na Missa em Kaunas, Papa recorda ocupações e deportações

“Quantos de vós viram também vacilar a sua fé, porque Deus não apareceu para vos defender; porque o fato de permanecer fiéis não foi suficiente para que Ele interviesse na vossa história. Kaunas conhece esta realidade; toda a Lituânia o pode testemunhar sentindo arrepios à simples nomeação da Sibéria, ou dos guetos de Vilnius e Kaunas”, disse Francisco na homilia.
Manuel Tavares – Cidade do Vaticano

Na manhã deste domingo (23/9), o Papa Francisco deixou a Nunciatura Apostólica de Vilnius às 8h15 hora local (2h15 no Brasil), e transferiu-se para Kaunas, a segunda maior cidade da Lituânia e antiga capital temporária do país. Segundo uma das lendas, foi fundada pelos Romanos na Antiguidade, em 1030. Após a II Guerra Mundial, Kaunas tornou-se a principal cidade industrial da Lituânia. A Arquidiocese conta 650 mil habitantes, dos quais 520 mil católicos.

Ao chegar a Kaunas, o Papa passou de papamóvel entre os mais de cem mil fiéis presentes no Parque Sántakos, onde presidiu à celebração da Santa Missa.

Em sua homilia, Francisco partiu do Evangelho do dia, onde São Marcos dedica grande parte ao ensinamento de Jesus aos discípulos. É como se, no meio do caminho para Jerusalém, Jesus quisesse que os seus discípulos renovassem a sua opção, sabendo que este seguimento comportaria momentos de provação e sofrimento.

A vida cristã passa sempre por momentos de cruz, que, às vezes, parecem intermináveis. As gerações passadas sentiram a dureza do tempo da ocupação, a angústia dos que eram deportados, a incerteza da sua volta, a vergonha da delação, da traição”.

Quantas vezes, – disse Francisco – o justo é perseguido, sofre insultos e tormentos pelo fato de ser bom! Kaunas e a Lituânia conhecem bem esta realidade, sobretudo ao recordar dos guetos de Vilnius e de Kaunas.

Mas, voltando ao Evangelho de hoje, Papa disse que “os discípulos não queriam que Jesus falasse sobre sofrimento e cruz”; não queriam saber de provações e angústias, porque, segundo São Marcos, o interesse deles era outro: ao voltar para casa, discutiam sobre quem, entre eles, seria o maior. E Francisco ponderou:

Irmãos, o desejo de poder e de glória é o modo mais comum de se comportar daqueles que não conseguem sanar a memória da sua história e, talvez, nem aceitam  compromissos com o momento presente. Discutem sobre quem mais se destacou e foi mais puro no passado, quem possui mais direitos e tem mais privilégios. Assim, negamos a nossa história gloriosa por ser feita de sacrifícios, esperança, luta, serviço e fadiga”.

Trata-se – continuou o Papa – de uma atitude estéril e inútil, que recusa a construção do presente e da dolorosa realidade do povo fiel. Sabendo o que os discípulos pensavam, – destacou o Santo Padre – o Mestre propôs-lhes um antídoto para estas lutas de poder e recusa do sacrifício: sentou-se com eles e colocou uma criança no meio deles; hoje, esta criança poderia ser um pequenino qualquer, um pobre, a minoria étnica, o desempregado, o migrante; talvez um idoso, um jovem, que perderam o sentido da sua existência. E Francisco refletiu:

Trata-se disso: de uma Igreja ‘em saída’; não devemos ter medo de sair e entregar-se; não devemos ter medo de estar atrás dos pequeninos, dos esquecidos, dos que vivem nas periferias existenciais. Porém, devemos saber que este ‘sair’ implica, às vezes, deter o passo e renunciar aos anseios, sabendo olhar, escutar e acompanhar o excluído da sociedade”.

Eis o motivo pelo qual estamos aqui, hoje, – disse Francisco – ansiosos de receber Jesus e a sua palavra, através da Eucaristia e dos pequeninos. Por isso, o Papa fez os votos para que “o Senhor possa reconciliar a nossa memória, acompanhar-nos no presente, apesar dos desafios e das chagas do passado…; Sigamos o Mestre como verdadeiros discípulos, compartilhando das alegrias e esperanças, das tristezas e angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e atribulados”.